quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Banana


E por que, a algumas pessoas, reservamos a indelicadeza de passar meses sem nada escrever? Pois as vemos de maneira tão... "pedestalesca", que temos medo de nos sentir ridículos com a futilidade de um "oi, tudo bem? Foi muito especial, tenho saudades".

É o meu caso de não saber o que lhe dizer, como dizer, de onde partir, como chegar.
Seria mais fácil se voltássemos a ser crianças e eu simplesmente pudesse escrever num bilhetinho:

A garota Nina,
Se fosse palavra, seria rima,
Se fosse sonho, minha menina,
Se fosse por ti, iria até a China...

Mas foram dias e meses e a covardia se adiantou: calei. E pensava um pouquinho nos fins de tarde, como descreveria aquelas bolas de gude gigantes, que falavam muito mais que a tua boca.

Peraí: bolas de gude?

E parece que nenhuma palavra te merece, que nenhum adjetivo te faz justiça, que não há mesmo como explicar as horas vadias em que te amei só pelo modo como embirrava fechando as janelas das bolas de gude...

Queria te pintar num quadro, chupando um pirulito em formato de coraçãozinho...

sábado, 20 de dezembro de 2008

Sou quase

Sou quase-memória,
Do que a carne se desfaz em prantos,
Daquilo que carregamos em caixas,
Do que ascende à superfície
E fica marcado no olho.

Sou a deixa, sou a oportunidade,
Do que se larga na casa velha,
Daquele salto mortal de 3 centímetros,
Do vago do dia que não chega
E é toda sua vida.

Sou palavra destacada,
Do que escreveram todos os poetas,
Naquele corpo vadio de quinta passada,
Do instante pleno e rasgado que sangra
E te escurece de pena e ilusão.

Sou confusa, estou errada!
Do que se constituem certezas,
Daquela porca moral de ser humana,
Do ócio do deleite da noite,
Da figura do trabalhador da madrugada...
Não sou nada.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008


Sempre tive uma tendência suicida, mas agora isso anda ultrapassado. É claro – mas é claro! – que volta e meia tudo fica amargo e a gente começa a pensar bosta. Deve ser uma daquelas coisas que se chama de “inerente ao espírito humano”.
Mas não há de ser nada, que a gente acaba respirando fundo e encontrando, numa entrevista com a Márcia Bechara, na Mel pulando de um lado pro outro no quintal, no cheiro de batatas suíças sobre o fogão, enfim, nessas “coisinhas”, um alívio que nos recai – e a gente recai sobre a cadeira, massacra os teclados e desanuvia um pouco o nublado de dentro.
Ando assistindo muito à TV. E ontem mesmo, num desses seriados idióticos-hipnóticos, ouvi a dublagem do detetive fodão regurgitando que, se passamos a maior parte do tempo em um lugar, pensando que gostaríamos de estar em outro... algo não vai bem.
Parece óbvio, mas pouco tenho dedicado dos meus dias a refletir sobre a quantidade de vezes em que queria estar em qualquer outro lugar. E, em algumas, gostaria de estar até fora da minha pele – de repente o recheio de outro corpo, num veleiro soprando lugares azuis.
Passo os dias a desejar tempo para deitar na minha rede e mastigar páginas e páginas dos livros parados nas estantes do mundo. Ouvindo Billie Holiday e levantando os olhos por sobre o livro, cometendo mesmo o delito de desviar a atenção para a quietude do lugar em que me imagino, para as árvores balançando de vento, para... enfim, aquela cachoeira ao fundo que inventei, também, nesse sonho. Para onde eu vou quando o calor bate forte e posso me banhar, nadar...
Tem uma porçãozinha de cupins morando dentro dos rolos de papel higiênico do banheiro. E quando puxo o papel, estão formados milhões de desenhos furadinhos – as alegorias da hora íntima...

O vento anda estacionado. É sina de chuva, de verão, de calor, de biquíni, de trepar com areia entrando no bumbum. É sina minha, de o mundo me incomodar, porque deixo meus olhos voltados para todas as outras coisas exceto aqui mesmo. E, viver, parece ter sido um constante negar das coisas concretas...

sábado, 29 de novembro de 2008

?


Gosto das mentiras bem contadas.
De arranjos de flores retaliadas dos jardins.
Gosto do cheiro das noites mal-dormidas,
das aranhas tecendo nas frestas da casa.

Gosto de correr para a madrugada,
e de copiar poemas bonitos em bilhetinhos

Gosto dessa alma de criança,
embirrando para não ter que engolir remédio amargo,
para tomar banho só amanhã cedo,
para continuar andando de pé no chão.

Gosto quando as corujas abrem as asas.
Quando olham a gente de canto,
girando o pescoço, que nem carrossel,
gosto de grama, de chão, de água correndo.

Gosto correr, gosto desenhar, gosto, gosto, gosto.
Mas, de vez em quando, deixo de gostar...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Ando Para Trás


Areia fina, sob os passos, enquanto me afasto,
Sem discernir o caminho enquanto não desvio os olhos do mar,
Hipnotizada, visão fixa, no ritmo da água,
Que não mais alcança meus pés.

Areia que se concretiza, sólida, chão quente,
Pisando em espinhos sem tempo de removê-los,
Dor inflando, enquanto caminho de costas,
Nenhuma resposta, nada que desvie o olhar.

Cresce o relevo, o contorno do chão,
E o passo é subida, escalada pragmática,
Chutando as pedras com os calcanhares,
A praia ficando longe e pequena,
Avistada daquela altura do céu que me aguarda.

O peito ofegando, o par de pés que sangra,
Da caminhada para a direção contrária,
E nada me pára...

Olhar para trás, redirecionar o corpo,
Uma necessidade de andar, afinal,
Não mais de costas.

Mas os olhos desobedecem,
Desejam o infinito das ondas revoltas,
O desenho do tecido que traça o horizonte da existência,
Imensidão azul, não paro.

Não paro de olhar.
E se furasse os dois olhos,
O pescoço se manteria travado lá,
Na direção da lembrança.

O corpo rígido, músculos teimosos, saudosos,
Do que havia daquele lado...
Não há curiosidade que vença o vício,
Não há dor que atrapalhe o desejo

De se manter, para sempre, o outro lugar
O outro instante, de viver a saudade,
Se amontoar sobre a saudade, se desmanchar de saudade,
E, por fim, de se tornar a saudade...


E não viver mais nada, além da memória do mar.



Mari Brasil

O Estupro




Sempre admirei, de longe, a fantasia do estupro. Imaginei a completa ausência de poder, despido à força da sua convicção por algo ou alguém simplesmente irrepreensível, porque maior, mais forte, mais real...
E que ali não haveria chance de recusas, pois que não haveria chance de embate, debate, controvérsia. Ali, residiria total submissão.
E como seria a dor/prazer, essa troca louca de imagens e sensações, quando não se alcança a autonomia de fazer valer o simples som do “não”. Imaginava estas três letras que, quando justapostas, antecedem os contrários. Mas agora situadas em um universo em que nada significassem.
O dia em que este universo poderia se interpor a meus passos por, talvez, um engano inocente, de um suposto desejo inconsciente que nunca existiu:
No leito, do quarto escuro e fechado, nua em pelo, só a coleira entrelaçada ao pescoço e um homem descomunal, me acariciando o sexo.
Um fiozinho de luz da janela pequena, pouco iluminando os dois olhos azuis que, eventualmente, olhavam a minha cara e sorriam. Sorriam os olhos e esse gesto me aterrorizava, porque neles residia um quê de maldade, de impudicícia, imprudência...
No entanto, fechei os meus olhos e entreguei: imóvel e doce, impotente, endereçada ao deleite do sadismo do outro.
Ele, um gigante daquelas curtas horas, e eu, um quase nada, à beira, a esmo, sem lugar que não fosse o dele, sem ação que não fosse dele, à inteira disposição.
Ao adotar o papel, o papel da minha fantasia subordinada, da decisão alheia, o sangue fluiu rápido por todo meu corpo, a respiração ofegou, fiquei quente demais: estava pronta. Era certo que estava pronta!
E quando aquelas mãos iniciaram o caminho de percorrer todo meu corpo, como se pertencesse a ele, como seu brinquedo, como se fosse plástico e que não se pudesse sentir nada...
eu sentia!
Doía! Cada aperto ao redor dos pulsos, cada golpe desferido, cada pedaço quase arrancado, mordido, um estraçalhar de mim mesma que não cabia mais nesse lugar imaginado, de sonho, de fantasia:
era a minha carne! Não era mais mentira!
Daí o terror subiu das dores para a cabeça, o desespero entrou em domínio e não havia mais calma, submissão, contentamento: não estava pronta! Era “não”! Era “não”!
- Por favor, me ouça! – gritava em mim. Mas o grito não saía: era “não”! – Por favor, me ouça!
Algo calou a hora de correr: que agora me adentrava com toda força, rasgando na entrada um pedaço de alma junto.
Deitada de costas, os braços não tinham chance contra as mãos agarradas aos pulsos. As costas não tinham chance contra o peito que as empurravam para baixo. As pernas nem sequer se moviam, do peso dos joelhos empurrando-as para os lados, escancarando-as mais que podiam, quase um desmembramento – de corpo, de sonho.
E a cena da minha fantasia de repente não era aquela! E controle, não havia nenhum! E a dor que deveria me encher de prazer, era... só dor!
Era só dor... a cada investida, de mãos, de pau, de boca, dentes e tanta força... e... tão pequena eu estava ali, quase inexistente de mim, olhando os contornos do travesseiro à frente, tentando esquecer o medo, pensar como sair, como sair daquela cena.
E quando ele me virou de frente, me enfiou o pau até tão fundo (tão fundo!), olhando os meus olhos quase fechados...
e, aí sim, aí me reduziu ao nada, ao fundo do desprezo:
Cuspiu na minha cara...

Cuspiu

Na

Minha

Cara

Fechei os olhos de vez...
E, no escuro, a saliva do rosto ficou salgada, misturada às tantas lágrimas que eu não continha mais, que eram o meu “não” conseguindo sair, vindo à tona: que ele enxergasse, por favor! Que ele entendesse, sem som, as três letras!
E depois de alguns minutos, ele viu...
Ficou imóvel um instante, os olhos franzidos, o rosto franzido.
Mudou para uma expressão confusa: levantou-se, me tomou nos braços, me aninhou.
E enquanto eu ainda não podia conter o choro, perguntava:
- Por que não disse nada? Por que não me disse nada?!! Como não disse nada????!!!
Estava com medo! Estava com medo! - tentei dizer,
mas a voz não saía...




Mari Brasil

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Puta


Bem que eu gostaria...
Ter sempre este sorriso de vidro a oferecer,
mesmo às faces mais pútridas das dores de alma.

Se há dignidade,
que o diga as putas!

Um andar sempre rebolar.
Sempre a clamar,
disponível, não cansar.

Mas... cobrar!
Que o que é delas, merece.
Que o que é, é prece.
É pressa
da hora passar.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Planos


1. Andar por aí despida de cartões de crédito.

2. Deixar de tentar ignorar a miséria. Sentir muito. Sentir mesmo.

3. A pergunta certa é: por que as escritoras CHORAM tanto?

4. Assustar-me com a barbárie. Não banalizar o que não é banal.

5. Me mudar para Curitiba e arrumar logo um cabeludo para passar mais tempo junto.

6. Parar de fingir que há mais gente que lê do que gente que escreve.

7. Não desandar a cada porrada levada na cara. Revidar, talvez...

8. que quem dá a outra face morre cedo.

9. Aproveitar e nunca mais dirigir. Pelo menos não com carteira de motorista. Não sabendo quem se é.

10. Sentir medo e ignorar... completamente.

Mariana

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Si


O choro do útero não preenchido é

Grito do feminino,

Seu tom mais puro

Re-ver-ber(r)ando

nas tripas,

frios na espinha e

as ondas da amargura

De não se encontrar pleno,

reforçado e carregado de vida,


Sua imagem,
linhagem,
mensagem


que se inscreve no corpo do "por vir".
E nunca configura o alcance
do sonho daquela que o sonha
Em seu mesmo corpo,
para mais além do outro,
para mais perto de si.
Mari Brasil

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Venha


És tão claro, como uma rede atirada ao oceano de metáforas de uma língua morta.
Caminhando por pracinhas bucólicas em fins de tarde,
sentamos e lemos e observamos, como se nada mais houvesse de se fazer vida afora.
Domingos curtos e preguiçosos...

Venenos, meu caro. Venenos...
que quebrem a vulgaridade, atentando ao espírito.
Nos deitamos um ao outro, de cabelos que se embaraçam, se penteiam, se arrancam...

Debatemo-nos, inquirimo-nos, aceitamo-nos.
Cremos em ser mais do que somos.
Pois que a música nos denota solidão e reencontro,
pois que a música nos encara aos nossos abismos e lá, nos concebemos:
dois.

Deito às margens das ondas, olhos semi-cerrados, do abraço do sol...
e um medo de estender a mão para o lado...
E ela receber a sua resposta.
Aí sim...

aí sim:
Prostrar-me diante da noite, merecer.
Um corpo quente que me aterrorize ou me enterneça,
ao qual me entregue, seja como for.

Escrevemos nossos dias no tempero da carne,
no cheiro dos livros velhos que não cabem mais à estante,
que em nossas mãos se esfarelam, recriados.
Escrevemos nossos dias em versos,
do sabor que chega da cozinha
e contamina a rua.

Gosto do vinho que agora pertence às nossas entranhas.
E nos embriaga, e nos estraga, e nos faz sentir, mais e mais,
o deslumbre de se transformar, um ao outro, na mais pura efemeridade.

Venha logo.




Mari Brasil

sábado, 16 de agosto de 2008

Esperando a carta


Estou olhando de canto esta carta que não encontrei na caixa de correio.
Pois ela não me foi entregue, ainda.
E possui, em meu imaginário, o conjunto dos segredos necessários.
Talvez, o conjunto dos segredos desnecessários.

O desnecessário sempre me soou importante.

Eu admiro o envelope, sinto seu cheiro,
voando, junto a milhões de outros, brilhando, branco no ar.
Um tanto sujo, cheio de selos e carimbos,
Muitas moradas e tintas, até o alcance das mãos.
Até que se deixa apanhar, em meio aos outros tantos.

Há uma pausa no mundo

E o mensageiro atravessa as ruas, carta nas mãos.
Caminha no sol,
assobiando.
Se perde...
se perde.

Sinto a textura do papel contra o meu rosto,
vejo, em mim, letras borradas.
Corro atrás de uma folha levada pelo vento.
Sento na rede, na varanda, com a carta no colo,
respiro devagar,
cubro um olho, abro o outro bem fininho,
como criança, que não pode olhar o filme de terror,
e, ao mesmo tempo, não pode se conter...

mas ela ainda não chegou.

Então continuo espiando,
Medo das palmas no portão,
De que eu seja convidada a assinar o recibo e que se oficialize:
“Está confirmado. Mariana tem a carta em mãos.”

“Resta lê-la”

Um pavor das quatro da tarde.
Deixo a casa, escondida, olhando atenta pra os lados.
Levo as coisas. Fujo!
Me mudo!

Ao mesmo tempo, em que espero,
pacientemente, uma lista de palavras
já imaginadas, lidas, interpretadas, relembradas,
distorcidas, mal-faladas, traduzidas,
Malditas! Malditas!

Um sorriso à primeira linha,
um soco na cara, à primeira linha?
Um nascer do sol,
uma chapa de raio X,
um coringa, um corvo, uma borboleta?
Uma passagem de ida e volta ao inferno!

E o carteiro não chega.
Mari Brasil

domingo, 3 de agosto de 2008

Eu não sei que nome dar pra isso

Cada gota de chuva no dia morno anuncia um milagrezinho banal,
Esconde e escolhe e encolhe o raio que foi o dia, anuncia a noite e atrai:
nuvem de armadilhas de mim mesma, encaçapando a razão, quebrando a janela.
- Conheci um mago semana passada e ele me enfeitiçaria se eu lhe desse o rabo...

- Dei.
Ia saindo de manso, virei as costas e... me tornei a janela.
Agora preciso de algo que me escancare!
E você...

Você é um resto de ódio, de incompletude, de pó,
a vaidade que não se concretiza, o osso do cachorro que perdeu o buraco onde enterrou.
Corre cru, como um pálido de giz que risca as paredes do meu quarto,
Parado, é um ponteiro de relógio, que diz que é tempo de a hora não mais passar.

E se existe algo além do rio que me atravessa, algo além do que me atrapalha,
me corrói um erro de cristalizar o ser, o nascer, o amar e o amargo,
todos sempre juntos na lida cotidiana, no jogo de esconder o bárbaro e o real.
E sempre há, é claro, as semanas em que me sinto suja...

Coberta da sujeira, satisfeita de lama, me esfrego em becos,
deito no chão, rolo no chão e lambo os muros, me faltam palavras.
Sempre me faltam as palavras...
Então digo mesmo nada que preste, e a sujeira continua, cinza do dia que já vai embora e do encardido tatuado na minha cara.



Mari Brasil

Por que escritoras fumam tanto, bebem e trepam com um monte de imbecis?

Porque... porque... ai de nós.
Mas, não.
Não tou de piedade não: é medo.

Atrás de um...
nó certo para amarrar as palavras.

Sem crer que seja só isso aí mesmo: álcool, cigarros
e encontro de corpos ferinos

Um medo de que se sinta apenas no papel...
Ou que nele nada brote porque percebemos,

aos poucos,
que nada há, além de distrações para que o tempo longo da madrugada passe sem machucar demais.

Ao lado de cada vôo, para que doa,
Acima de tudo, para que doa!
Não por liberdade, que isso é enganação.
é pra se acorrentar, pra meter grades!

Se desatamos a compreender o tudo, resta o vazio, a vontade despedaça, e nada mais sangra que faça sentido.
É para sangrar.

Calar a necessidade de solidão,
fingir satisfação quando a porra jorra na cara.

De tempos em tempos, só para irritar...
Que de nada vale, sem que eu interfira no que vive.

É deixar a carne marcada do que sentem as palavras quando justapostas.

Na verdade...
é porque é tudo uma merda mesmo.
Mari Brasil

sexta-feira, 25 de julho de 2008


Já havia vazado mais de litro quando chegamos lá. O desfecho escuro da noite já se ia, o morno da carne também, contornando o ar do quarto, suave, que nem mar em calmaria.
Os olhos ainda escancarados, a boca dura, quase que cravada no travesseiro.
Pensava no tempo, enquanto acariciava os cabelos secos que desciam pela nuca.
Encontrei, nas costas nuas, razões para mantê-las assim nuas por mais algumas horas. Eram pedaços de corpo em que nunca havia reparado, apesar de tanta maldade, de tanta malícia com que havia afagado estas costas, unhas cravadas até o gozo ébrio e úmido.
Uma curva. Uma marca. Outra marca.
Sempre estiveram ali. Enquanto eu... nunca estive de verdade. Nunca fui registro deste corpo, parte dele.
E, ainda assim, ao me debruçar naquela nova curva, senti meu cheiro se espalhando por sobre o cheiro dela, dele, da cama, do quarto, mergulhada numa sensação de cobrir aquela que havia sido outra vida, outro plano.
Ela chorava, em pé, horrorizada da cena de morte, quando lhe disse:
- Você já não esteve perdida? Digo, você, alguma vez, teve um plano?
Ela não entendeu a pergunta.
Não, ela entendeu a pergunta. Só não conseguia entender o que isso tinha a ver com a situação. E continuou chorosa, continuou descontrolada, enquanto eu continuava procurando novos contornos. Insisti:
- Você também é curiosa sobre as pessoas que têm um plano?
- Por que você está fazendo estas perguntas idiotas? Ligue para alguém! Chame alguém! – berrou, entre soluços.
Mas, as costas nuas me convidavam a contemplá-las, em toda sua rigidez. E eu não me movi.
O sol passou a despontar na manhã, um fiozinho alumiando a parede, perto da cômoda. Em cima dela, uma garrafa de vinho, as horas passando e os planos vazando, escorregadios, pela janela.



Mari Brasil



sexta-feira, 11 de julho de 2008

Carta para Maria


Ai Maria, tenho que te confessar. Hoje tudo andava caminhando nos trilhos.
Após tanta tristeza, cansaço...
Me vieram cinco noites mal-dormidas com dois amantes diferentes, turbilhão de fantasia e gozo – a prática desnuda da falta de pudor, olhar que divaga para assumir qualquer coisa, qualquer uma mesmo que pareça mais plausível.
Hoje, e só hoje, eu não bebi.
E me cobriu uma manta clara, como que afago da lua, da noite colorida de praia, de frio... um centro esquisito que me colocou de pé.
Ia tranqüila pela rua, quando, não sei de onde, deu um estalo e decidi ler as cartas que ele mantinha guardadas.
Entre as cartas, tantas desimportantes, havia novas:
elas remetiam ao amor antigo e saboroso que, pelo que me pareceu, não acabou não, como ele insistia em me afirmar.
Ah, Maria... caiu, de novo, pelo chão: doçura de tantas paixões que passaram em minhas mãos, e se enroscaram em meu pescoço, e se confundiram com o que eu sentia pela cena, por mim. Todas, todas de volta, sendo sentidas, juntas, derramadas (por estes dias, derramei três copos cheios do que ia beber - não entendia o que eles significavam).
E eu, Maria, o que fazer?
invejei...
Estou envergonhada agora.
E, ao invejar, me dei conta de tanta inveja dos outros braços que agora os abraçavam, que agora os tocavam, que os colocam a dormir enlaçados neste mesmo instante em que lhe escrevo.
Essa inveja desatou corroendo, um algo mais de mórbido, a própria sobriedade com que me deparava: eu não compreendia, desta forma, como poderiam passar pelos meus braços e não mais os desejar. Desejar outros braços! – como?
E me lembrei da singularidade de cada mulher, da minha, das deles, e de como não se pode esperar tornar-se mundo inteiro, sendo porção tão infinitamente pequena...
Há de se ter outras pequenas porções. Há de se ter...
Havia, deste modo, tantas e mais tantas justificativas para que escolhessem outros braços. As razões mais sem razões e as coisas mais óbvias em que se possam depositar os sonhos...
Mesmo assim, continuei a invejar...
Ali dentro, tanto desejo de outros, tanto suor escorrido, pensamentos dedicados a manter, na memória, cada imagem que continuasse a erguer passados dos quais nada restava.
E as imagens, ao invés de trazerem um fulgor leve de lembrança boa, amenizarem os ânimos, quebrarem correntes, mais me prendiam naquelas cenas, mais me agonizavam a falta de sua concretude, mais amordaçavam os gritos que ia soltando pelo caminho.
Sentei derrotada na escrivaninha... vasculhei livros, reli poemas, tratados. E ainda não compreendi como controlar este hábito de desejar aquilo que... me escapa.
O que me escapa, Maria!

quarta-feira, 9 de julho de 2008

2 pés em cada 1


Velho, tou usando as tuas meias...
Aquelas mesmas que você desprezou porque a faxineira manchou na máquina de lavar.
Estão aquecendo meus pés.
Ainda que você não fale mais comigo, tuas meias aquecem meus pés.
Parece até que essa barba branca foi te levando para o lado de lá do rio.
Parece até que andas esquecendo de te distrair.

Olha velho, tenho umas coisas a dizer:
tu que me ensinastes a não olhar apenas por um buraco de fechadura...
Andas falando alto demais porra!
Anda engolindo a própria merda...
Que é isso velho?

Agora que me encontro nessa ladainha de faz-de-conta,
lambança de cu de todo mundo...
agora que eu vejo o que tu dizias...
tu viras as costas e me largas sozinha aqui? Agora que eu entendi?

Ainda caibo dentro dos teus sapatos! Os dois pés em cada um!
Nunca dei um nó em tua gravata velho!
A calva anda afetando teu olho pro mundo?
É insegurança isso que eu ando sentindo?
É medo mesmo?

Não...
No fundo eu sabia, que ias acabar te afeiçoando à solidão
de um pensar tão dentro, inóspito, dono do mundo
que não iria mais caber em ti, em mim.

É velho,
agarrastes a idéia do partir,
senhor de tuas convicções sobre tudo.
Sobretudo, na imaginação parca, na visão turva,
na cegueira mesmo,
do espelho do teu velho.

Me aguarda que sigo teus passos:
dois pés dentro de cada sapato.
E o sorriso deslumbrado para o mundo, que me ensinastes...
por enquanto...

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Atenta pro alívio que atrapalha
no coração de cada resgate, aventura de cada mudo:
“Sinto a palavra ecoando no livro do instante”.

“Calma que a parada demora a acontecer”, dizia ele.
“Calma, que se-pare quando não mais se demorar”.

Eu merecia não mais do que um olhar de comiseração,
um jovem aceno de canto de olho, um alisar os cabelos...
Corria suave o peito aberto às lembranças:
...se eu começasse, acabaria adotando uma puta!

Abri o riso: decretei minhas férias.
Ladeira acima, como se nada pudesse despontar meu adeus e
fiquei,
sentada,

lambi as gotas de chuva da cara,
como se fosse porra, jorrando do céu...
Sentei no chão, beijo no asfalto e qualquer coisa.

Nada sozinho no lugar, nem mesmo ele, nem mesmo eu.
E aquele cheiro,
que emite a solidão pra fora.
Magia mesmo, das fortes.

Ele apertou a barriga na minha, como não me deixasse ir. Nunca!
Deu um terror e uma paixão de vez. Na hora.

Corri pra muito longe daquele altar,
que não há divindade que alivie mais,

do que eu.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Deu com a língua nos dentes...


O seu silêncio é uma revolução de abortos,
de cada frase, ou aspecto, ou ternura, ou coisa e tal.
É antes, um tiro no rabo da boiada.
Um desespero que antecipa:

que virou asas num outro quintal,
incendiou sua vida pra outro lado...

Seu silêncio dói que nem facada:
corta as gengivas, das palavras que não saem.
sangra aqui dentro o que estou calada.
Me acaba, me acaba...

que não tem mais criança que agüente,
cresceu na marra e não é boba: cala.

O seu silêncio me desamarra,
me retribui um dó que me ofende,
pensa que me surpreende e me poupa,
mas, diz tudo, sem dizer nada:

que tem medo de quebrar cubos de gelo,
quando deveria saber que o que resta é água.

O seu silêncio, além de tudo,
me pressupõe fraca,
te assume temeroso da vida,
ao mesmo tempo, contemplando-a do alto do seu ego:

que pensa que controla o que sinto,
que pensa que, do silêncio, não se sente nada.

O seu silêncio deu com a língua nos dentes,
disse tudo nas entrelinhas, travesso, brincando sem palavras,
entoou um mantra de adeus,
retirou suas armas e obedeceu ao toque de recolher:

que deixou no lugar um vazio de solidão,
e um silêncio meu,
que não significa mais nada.
Mari Brasil

domingo, 8 de junho de 2008

A você

Uma despedida atenta e sei, que apesar de seus olhos me negarem, seus ouvidos se posicionaram entre a porta e o meu andar,
desenhando cada um dos passos com letras miúdas nos seus pensamentos.
Sei também que as letras formavam poesia dentro de você,
que te esquentaram noite adentro, toda a caminhada até o portão de sua casa.
Sei que a casa soou diferente e que o cheiro te incomodou.
Sei que o riso aberto no sofá da sala te decepcionou outro tanto -
do tamanho da quantidade de letras com que descreveu meu prazer.
Sei que se percebeu bobo, lembrando dos meus olhos interessantes
e que se sentiu compelido a escrever um texto idiota sobre as idas e vindas da vida.
Sei que este texto afastou sua aflição e te deixou adepto dos bons momentos.
Sei que nada disso te importa na sua cruzada em direção à felicidade.
Sei, porém, que você não acredita nesse tipo de bobagem.
Sei que é por isso que é ainda, você, que me inspira a escrever essas coisas.

Uma despedida provocada e sei, que apesar de meus olhos procurarem os seus, não procuravam sua atenção,
mas sim um desejo incontido, que não habita há muito tempo meu corpo.
Sei também que o desejo formava poesia dentro de mim,
que me perturbou noite adentro, todo caminho até a entrada do meu quarto.
Sei que a cama soou solidão e que a falta do seu cheiro me incomodou.
Sei que o riso ao meu lado me decepcionou outro tanto –
do tamanho do quanto me nega, todo dia, ao me abraçar.
Sei que me percebi uma vaca, lembrando da sua cara de sexo, na companhia de outro cara
e que me senti obrigada a escrever esse texto idiota sobre minhas idas e vindas na vida.
Sei que este texto não me isenta de culpas, pelo contrário, me condena.
Sei que nada disso me importa na minha cruzada em direção à felicidade.
Sei que eu, idiota, acredito nesse tipo de bobagem.
Sei que é por isso que qualquer um me inspira a escrever essas coisas.


Entretanto, ainda as endereço a você.


Mari Brasil

sábado, 24 de maio de 2008

Educar

Diga não à criança,
enquanto esta repousa olhos desejosos por sobre a mesa.
Diga que não toque.
Que não lhe pertence,
aquela que lhe parece extensão de seu corpo,
de seu mundo.

Diga à ela que...
mais tarde...
Diga: “daqui a alguns dias”
“... se merecer”.
Deixe que lamba os beiços, que a saliva escorra pelo canto da boca.
Que se encante e se apaixone pela distância.

Marque em sua memória a demora e a dificuldade.
Diga que sofra. Deixe que sofra a falta.
Até que compreenda
que aquilo não lhe faz parte,
que não lhe falta nada para além
de seus braços abertos...

Omita
que a falta que sente
é porque
lhe falta apenas,
entre os braços,
ao alcance das mãos,
todo o universo.


Mari Brasil

domingo, 18 de maio de 2008

Poesia e Você, Garoto.


Ao contrário do ordinário, você não me inspira poesia sempre. Na verdade, uma vez, quando você ainda não era de verdade, só minha fantasia.
Uma mexida sua e escrevo sobre o que estou sentindo, talvez não sobre você. Tudo muito analisado, muito ponderado... e calado, muito do que sinto.
E se ao mesmo tempo suas promessas me prometem segurança por sempre me bombardear de verdades, fica um vazio aqui dentro de desconfiar de tanta convicção e racionalidade.
Essas coisas são, também, disfarces da alma.
Acostumada que estou a enfiar os pés pelas mãos, me contenho extremado, me podo o que nasce bonito, me deixo encostada, livro na prateleira.

Eu te escrevo e apago,
sem parar.

Porque tem em mim muito romance de contos de fadas, muito de um ideal que dói de pensar e arrepia meus pelos da nuca e me faz concluir que esta intranqüilidade é tudo o que desejo: é, afinal, uma finalidade provisória.
Não te descrevo mais, porque está difícil decifrar o que vai nessa armadilha de pensamentos que, talvez, não me digam nada do que é...
E eu leio mais fácil os olhares do que as palavras. O movimento da boca que fala, não tanto o que diz. Onde coloca suas mãos: onde peço?

Mas...
onde desejas?

Eu sei, eu sei que algumas coisas não são permitidas.
Eu estou aqui, respeitando o seu mistério e me corroendo a vontade de te engolir por inteiro, te mastigar devagarzinho cada pedaço.
O quê, de tanta informação, faz bater seu peito forte e quente, parece tão escondido... e eu, nessa ânsia de fazer parte disso.
Também não te conto não...
De como é perder todas as referências,
De não ter certeza de nada, enlouquecer, do jeito mais puro.

E, na insanidade, aí sim, perder as jaulas de vez.
Minha vontade é te escancarar os desejos...

Perder as jaulas de vez!
Mari Brasil

sábado, 17 de maio de 2008

Sofrendo de maus costumes, saudades que estralam no céu da boca
Sentindo como que um abandono, que nem quando criança despreza brinquedo velho.
Vou ter com as praças, as estradas e os cachorros do bairro que todos me respondem, latindo em coro, pra que eu me vá embora dali.
E pensa que meia-dúzia de pãezinhos curam abandono, que nada.
Nem amor de cachorro, não cura.
Nem porre de chá de fita-cassete.
Talvez tenha derramado um tanto aqui dentro.
Que tem uma sede que não passa, mesmo quatro copos d’água.
Que deixa a testa franzida e tudo mais que dá conta da rigidez.
Corpo mal-acostumado é que dá nisso.
É vício,
é vício!


Mari Brasil

terça-feira, 13 de maio de 2008

2° Domingo de Maio


Eu nunca sei o que dar a ela neste dia...
É um tal de já possuir tudo que lhe cabe,
No suor do seu trabalho,
Escorrendo pelo rosto,
Tanto esforço, tanta força
Que ali não cabe nada,
Nada, nada que eu alcance
Parece lhe fazer falta.
Rosto rígido e um orgulho,
Desses de bater no peito e
Rejeitar o que é pouco que lhe dão,
Rejeitar o que é muito que oferecem,
E se dar por satisfeita o fato
de se bastar por si mesma
Mesmo na mentira deslavada de
não precisar...
Precisa tudo, esta menina:
Olhos nos olhos sem palavras.
Um abraço enquanto dorme.
Quem lhe ouça quando diz.
Quem enxergue, pequenina ali,
no meio de tanta dureza,
tanta destreza, até grosseria
e uma falsa autonomia.
Quem lhe reconheça, necessitada,
por trás de tantas máscaras:
uma menininha perdida...
que nunca se sentiu o suficiente amada.
E por isso mesmo, hoje, proclama:
Não preciso de ninguém ou nada.
Mas os braços se tornam curtos,
ao tentar abraçar a si mesma.
As desculpas para que lhe cuidem não enganam ninguém.
A única doença é um medo...
De pedir ao outro um cuidado...
E que este lhe seja negado.
Como sempre foi.
Eu nunca sei o que dar a ela neste dia.
Ofereço meia-dúzia de palavras,
um pedido, uma ordem:
abaixe a guarda.
E chame, quando precisar.
Se aos outros aparenta ser completa,
eles nunca se sentirão no direito de oferecer
o tão pouco que têm...
Talvez o pouco que te falta.
Mari Brasil

domingo, 4 de maio de 2008

Como será que andas?


Deixou a barba crescer, depois o cabelo, depois a...
“sozinhez”.
E seguiu, sozinho, sem gato, sem lua.
Viu, do outro lado da calçada, um outro gato.
Um gato preto.
Virou à direita para não ter mais azar e...

...continuou sem lua, nada calado, pelas madrugadas.
Como andas? - Olhos ainda baixos.
E um sorrisinho sem-vergonha, de quem se atrapalha na novela,
reza um padre-nosso tomando cachaça e chupando boceta.

Ave! Mas aquilo era bom...
Ia derramando suas ânsias por todos meus furos,
recitando sua poesia barata, sua poesia de graça,
me deixando sem graça num canto de quarto de motel vagabundo.

Que nem você: poesia de puta!
que, na verdade, era a noite que te fazia,
e era a noite que me fodia, me botando de quatro,
como se eu nem estivesse ali, no quarto, saia levantada até o pescoço.

Continuou sem lua porque quis... isso sim é bem verdade...
Revirou as latas de lixo de cada um dos corpos baldios
das mocinhas singelas que atravessavam a rua do outro lado.
E...
não, não, toma mais um gole de vinho, vai...

Vira pro lado, abre outro livro. Anda logo,
abre outras pernas! Abre outras pernas!
(Eu queria muito ter um pau).
Do mesmo lado da calçada da rua de baixo dos seus sonhos, tropeçou no infinito anteontem, pra ver se mais se projetava.

Mas... eu só quero mesmo te cutucar e te chamar de colega.
Tomar uma cerveja na tua mesa vez ou outra,
(até parece...)
E ouvir com cara deslumbrada, você gozar meia dúzia de palavras,
Como se nelas estivessem contidas todas as verdades do mundo.
(até parece...)

Chegar em casa, lembrar da tua cara e rir de:
desdém, gozo, afeto, escárnio, ódio, saudade.
Tesão.
Filho duma puta, que ainda me zomba,
que eu não agüento mais me fazer de burra pra você parecer inteligente!

Vem aqui logo e me fode de uma vez!
mais uma vez, vai!
vai!

Depois pode voltar a sair por aí procurando brinquedinhos novos...

Quanto mais eu bato palmas, mais mastigo vidro,
mais a carne pede, mais eu peço teu abrigo, mas eu quero que você me queime.
(me queima!).
Mari Brasil

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Desejo



Do osso, a pele grudada.
Da confusão, que se decida!
Quando a noite pergunta, peço-lhe o sol.
Da insegurança, quero que não me faça perguntas.
Da insegurança, que confie em mim.

Da tristeza, preciso do sorriso.
E, quando acordo, o sonho.
No meio do deserto, meu desejo é seu oásis.
Na falácia, busco as verdades,
como se houvesse, nas entrelinhas...

Da mudez, quero as palavras,
poesia e melodia.
Da apatia, desejo o ímpeto.
Quando sente medo, quero a coragem.
Da ocupação, os seus horários...

Olha para mim sem enxergar nada,
ouça minha voz e não me escute,
atropele os meus caminhos,
pois, quando amo,
desejo nada menos que o seu impossível.
Mari Brasil

terça-feira, 22 de abril de 2008

Blowjob

Muita corda na garganta, só esperando nós, banquinhos e um pulo para um infinito.
Quem me amarra sou eu.
Sou quem dá o “nós”,
esperando que alguém me desamarre.

Ah, faça-me o favor e logo me avise, hein?
Estas expectativas andam de matar!
Aquela menininha rindo de mim na sacada também.
Até parece que nunca foi amada...

Ando correndo lado pro outro do espelho
só ali me vejo.
Nada de olho no olho: olho numa fina camada de prata.
E me reconheço.

Parece até que não te culpo,
tudo aqui dentro, nas entranhas:
um corpo, um beijo, uma mão e ando de joelhos.
Troco passagens, amo a volta e não há nada aqui que compense.

Só um abraço inventado,
mentira, mentira que cochicho pra mim:
sorriso estampado na cara e uma vontade de sei lá quê...
que dê conta de tanta sede de histórias de mais de um e menos de muitos.

Nem parece que você não sabe.
Tudo trocado aqui dentro: sem olhar duas vezes no mesmo sentido.
E, quando olho, me perco de novo.
Te mastigo inteiro e você já não é nada.
E nem eu sou.
Perdida que estou, nesse teu cheiro.
Mari Brasil

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Acorde,


Acorde, então, no dia estranho da tua casa e bate a porta ao entrar quarto acima sob tanta chuva. Espeta o dedo no cheiro de saudade e entra no chuveiro para se aquecer e limpar a dor de ser um traidor.
É tanto medo que não vê, nos lados, um fundo de mentiras e à frente, um caminho possível.
Pânico: não observar as outras direções e seguir reto: um plano.
Mas, no plano, a possibilidade de não funcionar.
Então parte para o ataque a todas as coisas, nada passando de lado, e nada... nada enfocando pelas tuas lentes.
É de um abraço do destino que precisa, daqueles que não se pode se desvencilhar.
Mistura um laço de cipós com uma onda certeira do mar e vai ao fundo. Fica lá, preso ao abraço do destino...
Segundos em horas.
E, quando, alcança a areia, beija a areia, o chão da praia como um colchão, onde deita a cabeça e descansa.
Olha a tempestade dissipando.
Acorde, então, no dia estranho da tua casa e...
Deixa a porta aberta.
Mari Brasil

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Primeiro Olhar


Um ar inapropriado para um primeiro olhar.
Inadequado...
e, por tanto, curiosidade que apenas aflora em movimento.
Nada pensado:
sem obviedades quando caminho em sua direção.
Alguma coisa aquecida aqui dentro pelos nossos silêncios.

Então lhe digo:
- Aqui moram vontades e verdades, como palavras que já foram e não podem mais entender o dia. Ou extender o dia.

Desembaraço esboços de danças e chuva e...
uma satisfação de se acreditar em alguém que me partilhe os segredos do mundo.

Seus gestos me transformam as ilusões.
Ilusões, ainda que novas as formas, adocicadas.

Torço meus lábios e deixo a timidez passar.
Colo em seu rosto um segundo de beijo!
Uma música suspensa... no momento em que caem as distâncias de medo e sinto o peso da sua mão em meus cabelos.

Entre os quadros do quarto, um grande espelho.
Olho pela, a janela. E me volto:
respiro seu corpo no meu e apaixono: contorno dos teus ombros.

À meia-luz, uma curva castanha desce pela nuca e corre para a madrugada.
Em seu encalço, meu olhar para o seu,
entre o nosso,
para o nada.
Mari Brasil

quinta-feira, 13 de março de 2008

Perder-se


Uma ajuda para compreender a angústia
que escreve letras nas folhas mais verdes das copas mais altas,
adoentando-as antes mesmo que toquem o chão, que caiam e repousem
como tapete avermelhado sobre o ventre redondo de terra úmida.

Um leve descansar os olhos e volta a respiração difícil de ter que se contornar os desejos e partir
numa larga estrada esburacada para uma paradoxal solidão,
erguida da própria solidão.

Alguém sopra às orelhas - entre.

E há, no gesto, um não sei quê de necessário para que se abra o peito e se atinja as estrelas
interiores que projetem no escuro - é necessário um sentido.

Mas só há caminhos...

Três gotas de chuva tocam as folhas, re-tornando o orvalho.
Elas anoitecem as copas mais altas, inclinando-se pelo peso,
pelas mãos do vento,
que sopra.

Sopra um sentido às orelhas – entre.

Peito aberto, de estrelas apagadas.
a fascinação toma rumo,
no encalço da estrada.
Entre.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A


Mergulhada num longo silêncio...
os dedos desacostumaram às palavras.
Um vazio de faz de conta,
Boiando no mar das sentenças.

Deixei as conjunções suspensas.
Cortei as unhas, li Garcia Márquez e... nada.
As letras passam aos cardumes
Todas embaralhadas, naquele momento.

Não choro um rio faz tempo.
Toda endurecida aqui no peito.
A testa, franzida... medo?
Medo, rancor, e uma brabeza!

Um disfarce, talvez, para a tristeza.
Estico o braço, me desembaraço e alcanço!
Do meio do cardume, uma letra.
Abro a mão direita com cuidado...

Abro os olhos meio de lado...
Como num sonho distante, reconheço:
Na palma da mão, a letra “A”.
E com ela, um recomeço.