segunda-feira, 27 de abril de 2009

Beijo, me liga

Você me cobra favores, como fosse um velho amigo de parceria nada trivial, ofendido do meu inédito desapego, descrente que ando da sua melancolia.

Se soubesse o que há, se na dor fôssemos esses parceiros que vem me demandando, talvez eu guiasse meus passos ao teu encontro e alcançaria essa realidade doente com as mãos, anestesiando teus pesadelos.

Mas não entendo que não é delírio. Uma luz louca que forja o metal da sua fronte, que aponta a espada para fora e golpeia tudo o que se move que não seja para servir.

E antes eu correria para um novo golpe, fora que ando cansada dos mesmos e também tenho uma vida para levar, mesmo caso você não se lembre, ou caso não se importe.

A dor que eu mastigo também é tua. E deixando de lado a patetice do outro, até que se pode compreender que aqui há um sistema de trocas. E que há muito você não tem crédito.

Ainda, deixando isso de lado, por que deveria ser hoje? Nessa hora em que eu me sinto tão amarga quanto, ou ainda pior, que tenho que rastejar ao seu portão e sentir-me mais ainda desmascarada...

Essa é primeira vez que digo não. E não é vingança, ou dissabor, ou qualquer outra idiotice que se possa pensar.

É manter o buraco em seu tamanho natural.

Estou cansada, estou com sono, tenho essas pequenas e ridículas coisas que não te importam, que talvez sejam, em si, o que vês como um poço de desprezo, mas, a mim, servem. Vou deitar amanhecendo o dia, culpada de não guiá-las até o fim.

Mas, amanhã, persistindo os sintomas, aguardo teu telefonema.



Mari Brasil

quarta-feira, 22 de abril de 2009

É de tanto uma paixão que assombra, que o destino acordou seco em meio à madrugada e armou as rodas para girar.

Usar paixão é usar a palavra de maneira leviana, mas com música não se brinca e esta veio pedir licença para não rimar agora, só ser sentida, ritmo, batida, melodia, sem que se obedeça à métrica usual das letras, sem que as letras façam sentido algum.

Foi quando pediram que se obedecesse à pauta e ela berrou cruel um acorde tão desafinado, que explodiu até o céu, o céu da boca da cantora...

Ali, quieta, parada, ouvindo ecoar no fundo de dentro, no fundo por dentro, em meio à confusão que só a novidade antiga clama, acalma, desvia e recondiciona.

Desviou os olhos devagar, a solidão. Fez que não estivesse observando, fria, de longe, remoendo os próprios acordes. Deixou.

E tudo se tornou desigual.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Resumo das minhas quartas-feiras desde que nasci

As quartas-feiras sempre me pareceram um bom dia para se começar a gostar de rodeio. Ao invés de ir assistir ao delírio coletivo sobre bois, me delicio na inquietude ordinária. Aposto no bom gosto da escova de dente verde-limão e aguardo, pacientemente, que um cometa passe pelo meu quintal, varrendo de luz a maré de absurdos em que me encontro imersa.

Às três da tarde de hoje, desejei entrar na televisão e ser a adolescente do filme da sessão da tarde.

Sinto falta de perder a virgindade e de me desdobrar em prantos a qualquer sinal de discordância dos meus pais.

Duro é não ter de quem discordar a não ser a gente mesma.

Um novo tipo de fungo invadiu a minha geladeira. Desconfio de sua origem extraterrestre e quase intuo que o cometa passou e não varreu nada, deixando apenas os algodõezinhos azuis e verdes em cima das laranjas.

Anda gelado demais durante a noite, coisa que vai me obrigar a usar calças compridas muito antes do que meu termômetro interno desejaria.

Continuo questionando toda a minha vida e, da mesma forma, mantendo-a exatamente do jeito que está. De antecipar a impossibilidade de mudança, proveniente da covardia com que respiro a cada dia, estes tantos litros de ar.

Sem mais,

Mariana

sábado, 11 de abril de 2009

A falta do que pode vir


Senti sempre certa simpatia pelas velhas loucas. Aquelas que as crianças da rua chamam de bruxa, com seus cabelos cuidadosamente desgrenhados, roupas de quem não se importa, e solidão estampada na testa.
Admiro o cinismo com que fingem acariciar, desapegadamente, um dos treze gatos no colo, balbuciando xingamentos aos capetinhas que invadem seu quintal, curiosos de descobrir se ela os transformará em sapos, ou não.
Essa imagem por vezes me conforta, talvez uma versão mais bem-humorada: atirando bexigas d’água nos moleques desavisados, ninando um gato num balanço preso a um grande pé de abacate, chinelos e camisola.
Sento na saletinha cheirando a madeira velha, ocupo todo o sofá do meu peso, meus livros e papéis. Volto a usar canetas e papéis – quem diria...
Nas noites frias, vinho, toca-discos e cobertor. E duas tranças cinzentas – quase brancas – nunca antes tentadas nas épocas em que seriam admiradas com resplendor.
E mania de escritora fracassada de anotar todas as boas idéias em papéis que vão se perdendo, desaparecendo ao menor toque, tão antigos, tão descuidados que sempre foram, da mesma forma como nunca cuidei de mim, do que importa, do que sempre importou mais.
O sentido do desapego se transforma no ideal, volta o apego para dentro, para o vaso de flores que deve ser regado, para os beija-flores que devem ter a água trocada todos os dias, para a gratidão de se abrir os olhos por mais uma manhã e poder se respirar o vento gelado...
Aprender a conviver com si mesmo e gostar de solidão...

quinta-feira, 9 de abril de 2009


Um leque de vitórias mentais invade o meu guarda-roupa.


De dentro, bem de dentro, visualizo seus ombros.


Um roçar de barba no meu peito, buscando que não me afague.


- Não me afague. Não me afague que eu não quero que mude nada. Gosto de dormir na tua cama em desnível...


Perfeito, desde o nome, até o tamanho do pau. (alguém já disse isso antes).


O tipo de sangue que ferve em ruínas, disparateia para todos os lados, quebra tudo.


E eu, de vidro, sempre, sempre, mil pedaços,


de repente, nas tuas mãos.


Justo estas mãos.

É tanto o medo que eu enxugo o que fico molhada...




Mari Brasil

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Um e outro

Eu corro o risco de inventar sobre a filosofia do sexo quando ainda sinto a textura das pontas de dedos sobre o dorso da mão, desastradas, desastrosas, contando tempo, olhando pro lado, buscando uma maneira de tocar os seios, o resto todo do corpo que o cheiro deseja.

A solidão cínica que abraça a mágoa, ronda a briga, provoca e atiça, e contraria e contraria as vontades, sufoca as vontades, com fios de cabelo e palavras demoradas, com olhares mesquinhos, ainda que sedutores – ela pára. Ela recomeça.

Uma boca que sela o início: após tantas ofensas, o tom do escárnio, o desânimo, a dor de se deparar com o real que o outro vocifera, ali no meio de tudo, cola ao rosto, cola ao pescoço, e derruba a parede, devora a parede.

E se desmancham os dois, no meio de um vazio tão sem tamanho, que não sentem nada além do fôlego um do outro, se agarram à única coisa palpável, um ao outro, outro ao um.

Nesse ato, cessam o fogo e se reconhecem: são o mesmo, são par, são e só.

Sãos e salvos - um do outro.



Mari Brasil



sábado, 4 de abril de 2009

sem

Quando lêem nas linhas a que dou a luz,

o fraco da minha sentença,

o impalpável irreal

que explode quando a língua não alcança o que se quer dizer.

É assim que me desfaço.


Mari Brasil