sábado, 24 de maio de 2008

Educar

Diga não à criança,
enquanto esta repousa olhos desejosos por sobre a mesa.
Diga que não toque.
Que não lhe pertence,
aquela que lhe parece extensão de seu corpo,
de seu mundo.

Diga à ela que...
mais tarde...
Diga: “daqui a alguns dias”
“... se merecer”.
Deixe que lamba os beiços, que a saliva escorra pelo canto da boca.
Que se encante e se apaixone pela distância.

Marque em sua memória a demora e a dificuldade.
Diga que sofra. Deixe que sofra a falta.
Até que compreenda
que aquilo não lhe faz parte,
que não lhe falta nada para além
de seus braços abertos...

Omita
que a falta que sente
é porque
lhe falta apenas,
entre os braços,
ao alcance das mãos,
todo o universo.


Mari Brasil

domingo, 18 de maio de 2008

Poesia e Você, Garoto.


Ao contrário do ordinário, você não me inspira poesia sempre. Na verdade, uma vez, quando você ainda não era de verdade, só minha fantasia.
Uma mexida sua e escrevo sobre o que estou sentindo, talvez não sobre você. Tudo muito analisado, muito ponderado... e calado, muito do que sinto.
E se ao mesmo tempo suas promessas me prometem segurança por sempre me bombardear de verdades, fica um vazio aqui dentro de desconfiar de tanta convicção e racionalidade.
Essas coisas são, também, disfarces da alma.
Acostumada que estou a enfiar os pés pelas mãos, me contenho extremado, me podo o que nasce bonito, me deixo encostada, livro na prateleira.

Eu te escrevo e apago,
sem parar.

Porque tem em mim muito romance de contos de fadas, muito de um ideal que dói de pensar e arrepia meus pelos da nuca e me faz concluir que esta intranqüilidade é tudo o que desejo: é, afinal, uma finalidade provisória.
Não te descrevo mais, porque está difícil decifrar o que vai nessa armadilha de pensamentos que, talvez, não me digam nada do que é...
E eu leio mais fácil os olhares do que as palavras. O movimento da boca que fala, não tanto o que diz. Onde coloca suas mãos: onde peço?

Mas...
onde desejas?

Eu sei, eu sei que algumas coisas não são permitidas.
Eu estou aqui, respeitando o seu mistério e me corroendo a vontade de te engolir por inteiro, te mastigar devagarzinho cada pedaço.
O quê, de tanta informação, faz bater seu peito forte e quente, parece tão escondido... e eu, nessa ânsia de fazer parte disso.
Também não te conto não...
De como é perder todas as referências,
De não ter certeza de nada, enlouquecer, do jeito mais puro.

E, na insanidade, aí sim, perder as jaulas de vez.
Minha vontade é te escancarar os desejos...

Perder as jaulas de vez!
Mari Brasil

sábado, 17 de maio de 2008

Sofrendo de maus costumes, saudades que estralam no céu da boca
Sentindo como que um abandono, que nem quando criança despreza brinquedo velho.
Vou ter com as praças, as estradas e os cachorros do bairro que todos me respondem, latindo em coro, pra que eu me vá embora dali.
E pensa que meia-dúzia de pãezinhos curam abandono, que nada.
Nem amor de cachorro, não cura.
Nem porre de chá de fita-cassete.
Talvez tenha derramado um tanto aqui dentro.
Que tem uma sede que não passa, mesmo quatro copos d’água.
Que deixa a testa franzida e tudo mais que dá conta da rigidez.
Corpo mal-acostumado é que dá nisso.
É vício,
é vício!


Mari Brasil

terça-feira, 13 de maio de 2008

2° Domingo de Maio


Eu nunca sei o que dar a ela neste dia...
É um tal de já possuir tudo que lhe cabe,
No suor do seu trabalho,
Escorrendo pelo rosto,
Tanto esforço, tanta força
Que ali não cabe nada,
Nada, nada que eu alcance
Parece lhe fazer falta.
Rosto rígido e um orgulho,
Desses de bater no peito e
Rejeitar o que é pouco que lhe dão,
Rejeitar o que é muito que oferecem,
E se dar por satisfeita o fato
de se bastar por si mesma
Mesmo na mentira deslavada de
não precisar...
Precisa tudo, esta menina:
Olhos nos olhos sem palavras.
Um abraço enquanto dorme.
Quem lhe ouça quando diz.
Quem enxergue, pequenina ali,
no meio de tanta dureza,
tanta destreza, até grosseria
e uma falsa autonomia.
Quem lhe reconheça, necessitada,
por trás de tantas máscaras:
uma menininha perdida...
que nunca se sentiu o suficiente amada.
E por isso mesmo, hoje, proclama:
Não preciso de ninguém ou nada.
Mas os braços se tornam curtos,
ao tentar abraçar a si mesma.
As desculpas para que lhe cuidem não enganam ninguém.
A única doença é um medo...
De pedir ao outro um cuidado...
E que este lhe seja negado.
Como sempre foi.
Eu nunca sei o que dar a ela neste dia.
Ofereço meia-dúzia de palavras,
um pedido, uma ordem:
abaixe a guarda.
E chame, quando precisar.
Se aos outros aparenta ser completa,
eles nunca se sentirão no direito de oferecer
o tão pouco que têm...
Talvez o pouco que te falta.
Mari Brasil

domingo, 4 de maio de 2008

Como será que andas?


Deixou a barba crescer, depois o cabelo, depois a...
“sozinhez”.
E seguiu, sozinho, sem gato, sem lua.
Viu, do outro lado da calçada, um outro gato.
Um gato preto.
Virou à direita para não ter mais azar e...

...continuou sem lua, nada calado, pelas madrugadas.
Como andas? - Olhos ainda baixos.
E um sorrisinho sem-vergonha, de quem se atrapalha na novela,
reza um padre-nosso tomando cachaça e chupando boceta.

Ave! Mas aquilo era bom...
Ia derramando suas ânsias por todos meus furos,
recitando sua poesia barata, sua poesia de graça,
me deixando sem graça num canto de quarto de motel vagabundo.

Que nem você: poesia de puta!
que, na verdade, era a noite que te fazia,
e era a noite que me fodia, me botando de quatro,
como se eu nem estivesse ali, no quarto, saia levantada até o pescoço.

Continuou sem lua porque quis... isso sim é bem verdade...
Revirou as latas de lixo de cada um dos corpos baldios
das mocinhas singelas que atravessavam a rua do outro lado.
E...
não, não, toma mais um gole de vinho, vai...

Vira pro lado, abre outro livro. Anda logo,
abre outras pernas! Abre outras pernas!
(Eu queria muito ter um pau).
Do mesmo lado da calçada da rua de baixo dos seus sonhos, tropeçou no infinito anteontem, pra ver se mais se projetava.

Mas... eu só quero mesmo te cutucar e te chamar de colega.
Tomar uma cerveja na tua mesa vez ou outra,
(até parece...)
E ouvir com cara deslumbrada, você gozar meia dúzia de palavras,
Como se nelas estivessem contidas todas as verdades do mundo.
(até parece...)

Chegar em casa, lembrar da tua cara e rir de:
desdém, gozo, afeto, escárnio, ódio, saudade.
Tesão.
Filho duma puta, que ainda me zomba,
que eu não agüento mais me fazer de burra pra você parecer inteligente!

Vem aqui logo e me fode de uma vez!
mais uma vez, vai!
vai!

Depois pode voltar a sair por aí procurando brinquedinhos novos...

Quanto mais eu bato palmas, mais mastigo vidro,
mais a carne pede, mais eu peço teu abrigo, mas eu quero que você me queime.
(me queima!).
Mari Brasil