domingo, 22 de novembro de 2009

Minha saia preta sente sua falta


E olhe, garota, que eu senti essa sua carta hoje, sem saber, sem fazer idéia. Entrei lá no que te escapa, coisa que não fazia há muito tempo...
E sei que você ficará enciumada: agora tem outra ser-humana-demais ocupando seu velho quarto. Ela me faz sorrir também, mas é tudo diferente. Re-aprendendo a conviver com alguém na casa, que eu já sentia completamente minha. É duro, é duro. Imagino se você se sentia assim em relação a mim também.
Estas duas últimas semanas, que eu pensei serem suaves – pois iria a Floripa, passar meu aniversário “going back to the ones that I know” – se tornaram densas e pesadas. Nunca imaginei que o número trinta sapatearia sobre a minha cabeça da forma como tem feito.
Mas são apenas exacerbações de coisas sobre as quais passo meus dias tentando não pensar: o que fazer? Onde morar? Amar? Me entregar? A quê? A quem?
E a tal “seriedade”. Ah! A seriedade! Que eu não tenho tempo, nem vontade, nem coragem de depositar sobre o que desejo e continuo deixando escorrer.
Sei que desse turbilhão, Floripa já não me traz a mesma paz, que aqui dentro tudo está sempre revirado e eu nunca paro para botar ordem na minha catedral.
A menina agora está percebendo que ali estão os sonhos e que ela deveria acordar, sair de volta correndo, pelas grandes portas da frente, atravessar o gramado, a trilha e voltar para sua casa, com tudo o que aprendeu desse mundo mágico.
Meus amores não me enxugam as costas – só me molham, inclusive os cabelos, e terminam molhados, sempre, de muito choro de criança que quer crescer, mas ainda não sabe muito bem como fazer isso.
E você com medo de gostar muito naturalmente de jornal nacional, e eu querendo gostar, com medo também, mas, pelo contrário, de nunca conseguir...
Já aviso logo que estou de novo all broken heart, e que valeu a pena, como sempre penso. Só que anda cada vez mais difícil juntar os cacos, porque eles se partem cada vez menores, deixando toda estrutura frágil demais, temerosa. Daí a colocar esse coração dentro de uma caixa bem fechada e almofadada está um ou dois passos.
Tudo estava diferente na ilha. Lá era meu refúgio, minha catedral. E meus problemas desapareciam. Desta vez eles me seguiram. Acho que isso tem a ver com os tais trinta. E eu já não sei mais como abandoná-los, esses serezinhos irritantes que povoam meu cérebro na hora de dormir, espantando meu sono. Eu ando dormindo menos e gostando mais de ficar acordada.
E agora eu tenho um joelho que não funciona, e que não me deixa mais correr e suar – trinta, trinta.
A Mel me olha com seus olhos de cão e ela é minha filha. Eu tenho uma filha cachorra. E a carência dela, que muitas vezes me irrita, outras me alivia, é símbolo da minha, que eu fico fingindo não existir, dando ao corpo essa propriedade de soberania do destino. E, lá dentro, pulando-se o fosso, os muros e os guardiões, estou eu com cara de Mel, pedindo que alguém me ame. E esse alguém sou eu mesma.
Fácil avaliar que tudo está igual, mas também diferente. Eu busco um ímpeto. E não é um ímpeto “de alguma coisa”, é só um ímpeto – ainda sinto a minha vida passando como um seriado de TV, eu no sofá, assistindo e sem controle remoto.
Hoje minha mãe me disse que eu não me envolvo com os problemas da família. E ela não quis dizer com todas as letras, mas a palavra era “frieza”. E eu sei que é verdade, eu fujo dessas relações que pra mim são impostas, e que se eu mergulhar, me afogo, me afogo.
Desdenho do que me afeta, projeto isso em coisas que não são tão importantes, mas eu finjo ser: como os namorados impossíveis e manter a casa impecavelmente arrumada. Mas é mentira. Eu me importo tanto, mas tanto com minha mãe que nunca vou poder contar nada a ela, que acaba por me sentir, assim, tão distante de tudo. Ela me protege, eu a protejo. E ela nunca vai saber.
Eu entrei no mar e fiquei nadando por horas. E todas as vezes que pensava em sair, alguma coisa me segurava na água salgada e não era onda, não era o frio, mas, simplesmente o prazer de flutuar encarando o céu. O mar é esse útero. E eu aprecio ser gestada.
Sinto falta de ser irrevogavelmente amada, mas também não deixo, que isso pra mim vem acompanhado de tanta cobrança e responsabilidade, como é da minha mãe, que não pode ser amor. Eu não agüento.
Eu ando com vontade de voltar a desenhar, mas me apavora pegar lápis e papel e começar a riscar. Sabe-se lá o que sairá das pontas dos dedos, que das palavras, eu pareço ter controle. Mas essa outra linguagem é demasiado livre do meu arbítrio. E eu me sinto mulher-árvore, adormecida, raízes muito bem fincadas à terra, apenas os cabelos de folhas voando com o vento.
Alguns gestos carentes de direção, à deriva, que eu antes imaginava característica dos espíritos livres, mas agora entendo do maior apego imaginável às coisas mais insignificantes – eu não consigo queimar as fotografias. Eu não consigo cortar mais os meus cabelos.

E, claro, houve também muitas coisas lindas e livres e vitoriosas. Mas elas parecem curtas demais sempre. Curtas demais para se escrever numa carta, num poema, mas que estão escritas, aqui dentro. E que gostaria de contá-las enquanto tomamos um chocolate. Venha me visitar.





2 comentários:

Maria Cláudia S. Lopes disse...

uau...tenho muito a te dizer através da leitura dessa carta...profunda....vc sempre sabe mergulhar..eu sempre quero salvar as pessoas que eu amo, mas agora começo a entender que as pessoas nem sempre querem ser salvas, só querem divagar sobre questões. vou te responder a altura, em breve. e nas férias te visito nem que seja por uma semana apenas....saudade... amo.

Maria Cláudia S. Lopes disse...

aaaaaa e quem é essa feia chata e boba que está morando com vc??????hehehe