terça-feira, 3 de novembro de 2009

Gato

Ela pintou os olhos. Estufou o peito.

Cantou. Cantou.

E imaginou se seu cabelo agradaria. Se suas roupas agradariam.

Se seu sorriso bobo agradaria. Porque ela não o continha mais. Petrificou no rosto aquele êxtase de se sentir amada. Uma vez.

Pensou no abraço de frio do sábado. E em como ele a aqueceu, de saber, do frio. E como aquele gesto estaria marcado na sua cintura, como um arrepio constante e cego.

Pensou se ele teria visto a lua. Pensou em dizer que ele visse a lua.

- É claro que ele viu a lua. E pensou em mim.

Guiou-se até ele. Sentou-se com ele. E ouviu-o como se nada ouvisse. Porque era tudo abstrato demais, real demais para o que sentia, só de estar perto.

E não conseguiu mais se manter decente. E apostou em tudo o que tinha para continuar perto por toda a noite. Era a última noite por muito mais tempo do que ela gostaria de ficar longe.

O que havia para oferecer era seu corpo. Seu cheiro. Seus olhos. Que era o palpável. Que era tudo o que conhecia, o que possuía...

Se desmanchou em cima dele, como um gato deita no colo.

E, como um gato, ele a apanhou pelos braços e a colocou de volta em seu lugar, longe, saiu do carro. “Boa noite. Boa viagem”.

- Eu não sou um gato. - Tentava entender no caminho de casa.

O peito apertando...

- Eu não sou um gato...

Suas mãos apertando forte o volante, mordendo os lábios.

O cabelo. Deveria estar errado. O cheiro também. E se oferecer? Assim? Não era certo. Errara tudo.

Tudo, tudo. Do penteado, à falta de palavras, ao sorriso, ao apego.

E, de repente...

- Eu não sou um gato!

Ela sabia. Que não era ela que estava errada.

Pela primeira vez, ela não estava errada em nada. E doeu muito mais do que se estivesse.

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