quinta-feira, 14 de maio de 2009

ainda...

Ah, que o cheiro não me atrapalhe agora. Pois estamos longe um do outro. E esse cheiro não me cega. E esse cheiro não me seduz.

Ainda conto os dias desde o último. Ainda descrevo teus cabelos, lembro da curva dos teus olhos, da tua sobrancelha, do arco da testa.

Eu conto de como me tocava e me desmanchava, como se nunca mais isso fosse possível, um fio de ar que atrapalha o caminho entre duas árvores que não se movem.

O ato que vem domar e apenas movimenta, ainda sem espaço, ruge sério de mágoa, provoca e enfeitiça as sombras. E estas se movimentam e corrompem tudo de amor que existe aqui dentro, num cheiro, num medo, num deslize...

O desejo de fora, aquele que circula por aí, sonda minhas entranhas de morta – estou morta, estou morta – e acende um par de fósforos. Queima de dentro pra fora, lambendo o que sou dentro, como era de seu prazer, em me desmoronar, do seu feitio de malicioso, de duro, de teste.

E se tornou memória, inscrita em mim, como ficam inscritas as estranhezas, as incompreensões, presentes, sempre presentes, mas nunca antes entendidas – e nem agora.

Rompi com os traços de metal que estagnavam a forma que me compunha. Destilei pecados, como se seca o sal das ondas, corroídas de inveja do resto do mar que ficou pra trás.

Quase vazia, quase pálida, esmoreço e me refaço, assopro um novo dia, pela flauta formada de chuva que tomo nas mãos. É música, novamente.

Um comentário:

Celso Amâncio disse...

Que passagem dolorosa e bela de renascimento é essa!

Lembrei da vendedoura de fósforos do Anderssem...

Mas te vi encarnando uma Fênix que revive das águas.