sábado, 11 de abril de 2009

A falta do que pode vir


Senti sempre certa simpatia pelas velhas loucas. Aquelas que as crianças da rua chamam de bruxa, com seus cabelos cuidadosamente desgrenhados, roupas de quem não se importa, e solidão estampada na testa.
Admiro o cinismo com que fingem acariciar, desapegadamente, um dos treze gatos no colo, balbuciando xingamentos aos capetinhas que invadem seu quintal, curiosos de descobrir se ela os transformará em sapos, ou não.
Essa imagem por vezes me conforta, talvez uma versão mais bem-humorada: atirando bexigas d’água nos moleques desavisados, ninando um gato num balanço preso a um grande pé de abacate, chinelos e camisola.
Sento na saletinha cheirando a madeira velha, ocupo todo o sofá do meu peso, meus livros e papéis. Volto a usar canetas e papéis – quem diria...
Nas noites frias, vinho, toca-discos e cobertor. E duas tranças cinzentas – quase brancas – nunca antes tentadas nas épocas em que seriam admiradas com resplendor.
E mania de escritora fracassada de anotar todas as boas idéias em papéis que vão se perdendo, desaparecendo ao menor toque, tão antigos, tão descuidados que sempre foram, da mesma forma como nunca cuidei de mim, do que importa, do que sempre importou mais.
O sentido do desapego se transforma no ideal, volta o apego para dentro, para o vaso de flores que deve ser regado, para os beija-flores que devem ter a água trocada todos os dias, para a gratidão de se abrir os olhos por mais uma manhã e poder se respirar o vento gelado...
Aprender a conviver com si mesmo e gostar de solidão...

Um comentário:

Maria Cláudia S. Lopes disse...

putz, esse também...ficou lindo
fiquei pensando não diferença entre a vida do escritor em si e a vida que ele vive através de suas fantasias..pirei nisso, vem tomar um café?