sexta-feira, 11 de julho de 2008

Carta para Maria


Ai Maria, tenho que te confessar. Hoje tudo andava caminhando nos trilhos.
Após tanta tristeza, cansaço...
Me vieram cinco noites mal-dormidas com dois amantes diferentes, turbilhão de fantasia e gozo – a prática desnuda da falta de pudor, olhar que divaga para assumir qualquer coisa, qualquer uma mesmo que pareça mais plausível.
Hoje, e só hoje, eu não bebi.
E me cobriu uma manta clara, como que afago da lua, da noite colorida de praia, de frio... um centro esquisito que me colocou de pé.
Ia tranqüila pela rua, quando, não sei de onde, deu um estalo e decidi ler as cartas que ele mantinha guardadas.
Entre as cartas, tantas desimportantes, havia novas:
elas remetiam ao amor antigo e saboroso que, pelo que me pareceu, não acabou não, como ele insistia em me afirmar.
Ah, Maria... caiu, de novo, pelo chão: doçura de tantas paixões que passaram em minhas mãos, e se enroscaram em meu pescoço, e se confundiram com o que eu sentia pela cena, por mim. Todas, todas de volta, sendo sentidas, juntas, derramadas (por estes dias, derramei três copos cheios do que ia beber - não entendia o que eles significavam).
E eu, Maria, o que fazer?
invejei...
Estou envergonhada agora.
E, ao invejar, me dei conta de tanta inveja dos outros braços que agora os abraçavam, que agora os tocavam, que os colocam a dormir enlaçados neste mesmo instante em que lhe escrevo.
Essa inveja desatou corroendo, um algo mais de mórbido, a própria sobriedade com que me deparava: eu não compreendia, desta forma, como poderiam passar pelos meus braços e não mais os desejar. Desejar outros braços! – como?
E me lembrei da singularidade de cada mulher, da minha, das deles, e de como não se pode esperar tornar-se mundo inteiro, sendo porção tão infinitamente pequena...
Há de se ter outras pequenas porções. Há de se ter...
Havia, deste modo, tantas e mais tantas justificativas para que escolhessem outros braços. As razões mais sem razões e as coisas mais óbvias em que se possam depositar os sonhos...
Mesmo assim, continuei a invejar...
Ali dentro, tanto desejo de outros, tanto suor escorrido, pensamentos dedicados a manter, na memória, cada imagem que continuasse a erguer passados dos quais nada restava.
E as imagens, ao invés de trazerem um fulgor leve de lembrança boa, amenizarem os ânimos, quebrarem correntes, mais me prendiam naquelas cenas, mais me agonizavam a falta de sua concretude, mais amordaçavam os gritos que ia soltando pelo caminho.
Sentei derrotada na escrivaninha... vasculhei livros, reli poemas, tratados. E ainda não compreendi como controlar este hábito de desejar aquilo que... me escapa.
O que me escapa, Maria!

Um comentário:

Maria Cláudia S. Lopes disse...

segura não princesa
que só escapa da gente o que a gente prende sem querer ou de propósito....aprendi

ontem minha sobrinha disse que está treinando para ser princesa, lembrei de vc hehe