sábado, 16 de agosto de 2008

Esperando a carta


Estou olhando de canto esta carta que não encontrei na caixa de correio.
Pois ela não me foi entregue, ainda.
E possui, em meu imaginário, o conjunto dos segredos necessários.
Talvez, o conjunto dos segredos desnecessários.

O desnecessário sempre me soou importante.

Eu admiro o envelope, sinto seu cheiro,
voando, junto a milhões de outros, brilhando, branco no ar.
Um tanto sujo, cheio de selos e carimbos,
Muitas moradas e tintas, até o alcance das mãos.
Até que se deixa apanhar, em meio aos outros tantos.

Há uma pausa no mundo

E o mensageiro atravessa as ruas, carta nas mãos.
Caminha no sol,
assobiando.
Se perde...
se perde.

Sinto a textura do papel contra o meu rosto,
vejo, em mim, letras borradas.
Corro atrás de uma folha levada pelo vento.
Sento na rede, na varanda, com a carta no colo,
respiro devagar,
cubro um olho, abro o outro bem fininho,
como criança, que não pode olhar o filme de terror,
e, ao mesmo tempo, não pode se conter...

mas ela ainda não chegou.

Então continuo espiando,
Medo das palmas no portão,
De que eu seja convidada a assinar o recibo e que se oficialize:
“Está confirmado. Mariana tem a carta em mãos.”

“Resta lê-la”

Um pavor das quatro da tarde.
Deixo a casa, escondida, olhando atenta pra os lados.
Levo as coisas. Fujo!
Me mudo!

Ao mesmo tempo, em que espero,
pacientemente, uma lista de palavras
já imaginadas, lidas, interpretadas, relembradas,
distorcidas, mal-faladas, traduzidas,
Malditas! Malditas!

Um sorriso à primeira linha,
um soco na cara, à primeira linha?
Um nascer do sol,
uma chapa de raio X,
um coringa, um corvo, uma borboleta?
Uma passagem de ida e volta ao inferno!

E o carteiro não chega.
Mari Brasil

domingo, 3 de agosto de 2008

Eu não sei que nome dar pra isso

Cada gota de chuva no dia morno anuncia um milagrezinho banal,
Esconde e escolhe e encolhe o raio que foi o dia, anuncia a noite e atrai:
nuvem de armadilhas de mim mesma, encaçapando a razão, quebrando a janela.
- Conheci um mago semana passada e ele me enfeitiçaria se eu lhe desse o rabo...

- Dei.
Ia saindo de manso, virei as costas e... me tornei a janela.
Agora preciso de algo que me escancare!
E você...

Você é um resto de ódio, de incompletude, de pó,
a vaidade que não se concretiza, o osso do cachorro que perdeu o buraco onde enterrou.
Corre cru, como um pálido de giz que risca as paredes do meu quarto,
Parado, é um ponteiro de relógio, que diz que é tempo de a hora não mais passar.

E se existe algo além do rio que me atravessa, algo além do que me atrapalha,
me corrói um erro de cristalizar o ser, o nascer, o amar e o amargo,
todos sempre juntos na lida cotidiana, no jogo de esconder o bárbaro e o real.
E sempre há, é claro, as semanas em que me sinto suja...

Coberta da sujeira, satisfeita de lama, me esfrego em becos,
deito no chão, rolo no chão e lambo os muros, me faltam palavras.
Sempre me faltam as palavras...
Então digo mesmo nada que preste, e a sujeira continua, cinza do dia que já vai embora e do encardido tatuado na minha cara.



Mari Brasil

Por que escritoras fumam tanto, bebem e trepam com um monte de imbecis?

Porque... porque... ai de nós.
Mas, não.
Não tou de piedade não: é medo.

Atrás de um...
nó certo para amarrar as palavras.

Sem crer que seja só isso aí mesmo: álcool, cigarros
e encontro de corpos ferinos

Um medo de que se sinta apenas no papel...
Ou que nele nada brote porque percebemos,

aos poucos,
que nada há, além de distrações para que o tempo longo da madrugada passe sem machucar demais.

Ao lado de cada vôo, para que doa,
Acima de tudo, para que doa!
Não por liberdade, que isso é enganação.
é pra se acorrentar, pra meter grades!

Se desatamos a compreender o tudo, resta o vazio, a vontade despedaça, e nada mais sangra que faça sentido.
É para sangrar.

Calar a necessidade de solidão,
fingir satisfação quando a porra jorra na cara.

De tempos em tempos, só para irritar...
Que de nada vale, sem que eu interfira no que vive.

É deixar a carne marcada do que sentem as palavras quando justapostas.

Na verdade...
é porque é tudo uma merda mesmo.
Mari Brasil