Sempre admirei, de longe, a fantasia do estupro. Imaginei a completa ausência de poder, despido à força da sua convicção por algo ou alguém simplesmente irrepreensível, porque maior, mais forte, mais real...
E que ali não haveria chance de recusas, pois que não haveria chance de embate, debate, controvérsia. Ali, residiria total submissão.
E como seria a dor/prazer, essa troca louca de imagens e sensações, quando não se alcança a autonomia de fazer valer o simples som do “não”. Imaginava estas três letras que, quando justapostas, antecedem os contrários. Mas agora situadas em um universo em que nada significassem.
O dia em que este universo poderia se interpor a meus passos por, talvez, um engano inocente, de um suposto desejo inconsciente que nunca existiu:
No leito, do quarto escuro e fechado, nua em pelo, só a coleira entrelaçada ao pescoço e um homem descomunal, me acariciando o sexo.
Um fiozinho de luz da janela pequena, pouco iluminando os dois olhos azuis que, eventualmente, olhavam a minha cara e sorriam. Sorriam os olhos e esse gesto me aterrorizava, porque neles residia um quê de maldade, de impudicícia, imprudência...
No entanto, fechei os meus olhos e entreguei: imóvel e doce, impotente, endereçada ao deleite do sadismo do outro.
Ele, um gigante daquelas curtas horas, e eu, um quase nada, à beira, a esmo, sem lugar que não fosse o dele, sem ação que não fosse dele, à inteira disposição.
Ao adotar o papel, o papel da minha fantasia subordinada, da decisão alheia, o sangue fluiu rápido por todo meu corpo, a respiração ofegou, fiquei quente demais: estava pronta. Era certo que estava pronta!
E quando aquelas mãos iniciaram o caminho de percorrer todo meu corpo, como se pertencesse a ele, como seu brinquedo, como se fosse plástico e que não se pudesse sentir nada...
eu sentia!
Doía! Cada aperto ao redor dos pulsos, cada golpe desferido, cada pedaço quase arrancado, mordido, um estraçalhar de mim mesma que não cabia mais nesse lugar imaginado, de sonho, de fantasia:
era a minha carne! Não era mais mentira!
Daí o terror subiu das dores para a cabeça, o desespero entrou em domínio e não havia mais calma, submissão, contentamento: não estava pronta! Era “não”! Era “não”!
- Por favor, me ouça! – gritava em mim. Mas o grito não saía: era “não”! – Por favor, me ouça!
Algo calou a hora de correr: que agora me adentrava com toda força, rasgando na entrada um pedaço de alma junto.
Deitada de costas, os braços não tinham chance contra as mãos agarradas aos pulsos. As costas não tinham chance contra o peito que as empurravam para baixo. As pernas nem sequer se moviam, do peso dos joelhos empurrando-as para os lados, escancarando-as mais que podiam, quase um desmembramento – de corpo, de sonho.
E a cena da minha fantasia de repente não era aquela! E controle, não havia nenhum! E a dor que deveria me encher de prazer, era... só dor!
Era só dor... a cada investida, de mãos, de pau, de boca, dentes e tanta força... e... tão pequena eu estava ali, quase inexistente de mim, olhando os contornos do travesseiro à frente, tentando esquecer o medo, pensar como sair, como sair daquela cena.
E quando ele me virou de frente, me enfiou o pau até tão fundo (tão fundo!), olhando os meus olhos quase fechados...
e, aí sim, aí me reduziu ao nada, ao fundo do desprezo:
Cuspiu na minha cara...
Cuspiu
Na
Minha
Cara
Fechei os olhos de vez...
E, no escuro, a saliva do rosto ficou salgada, misturada às tantas lágrimas que eu não continha mais, que eram o meu “não” conseguindo sair, vindo à tona: que ele enxergasse, por favor! Que ele entendesse, sem som, as três letras!
E depois de alguns minutos, ele viu...
Ficou imóvel um instante, os olhos franzidos, o rosto franzido.
Mudou para uma expressão confusa: levantou-se, me tomou nos braços, me aninhou.
E enquanto eu ainda não podia conter o choro, perguntava:
- Por que não disse nada? Por que não me disse nada?!! Como não disse nada????!!!
Estava com medo! Estava com medo! - tentei dizer,
E que ali não haveria chance de recusas, pois que não haveria chance de embate, debate, controvérsia. Ali, residiria total submissão.
E como seria a dor/prazer, essa troca louca de imagens e sensações, quando não se alcança a autonomia de fazer valer o simples som do “não”. Imaginava estas três letras que, quando justapostas, antecedem os contrários. Mas agora situadas em um universo em que nada significassem.
O dia em que este universo poderia se interpor a meus passos por, talvez, um engano inocente, de um suposto desejo inconsciente que nunca existiu:
No leito, do quarto escuro e fechado, nua em pelo, só a coleira entrelaçada ao pescoço e um homem descomunal, me acariciando o sexo.
Um fiozinho de luz da janela pequena, pouco iluminando os dois olhos azuis que, eventualmente, olhavam a minha cara e sorriam. Sorriam os olhos e esse gesto me aterrorizava, porque neles residia um quê de maldade, de impudicícia, imprudência...
No entanto, fechei os meus olhos e entreguei: imóvel e doce, impotente, endereçada ao deleite do sadismo do outro.
Ele, um gigante daquelas curtas horas, e eu, um quase nada, à beira, a esmo, sem lugar que não fosse o dele, sem ação que não fosse dele, à inteira disposição.
Ao adotar o papel, o papel da minha fantasia subordinada, da decisão alheia, o sangue fluiu rápido por todo meu corpo, a respiração ofegou, fiquei quente demais: estava pronta. Era certo que estava pronta!
E quando aquelas mãos iniciaram o caminho de percorrer todo meu corpo, como se pertencesse a ele, como seu brinquedo, como se fosse plástico e que não se pudesse sentir nada...
eu sentia!
Doía! Cada aperto ao redor dos pulsos, cada golpe desferido, cada pedaço quase arrancado, mordido, um estraçalhar de mim mesma que não cabia mais nesse lugar imaginado, de sonho, de fantasia:
era a minha carne! Não era mais mentira!
Daí o terror subiu das dores para a cabeça, o desespero entrou em domínio e não havia mais calma, submissão, contentamento: não estava pronta! Era “não”! Era “não”!
- Por favor, me ouça! – gritava em mim. Mas o grito não saía: era “não”! – Por favor, me ouça!
Algo calou a hora de correr: que agora me adentrava com toda força, rasgando na entrada um pedaço de alma junto.
Deitada de costas, os braços não tinham chance contra as mãos agarradas aos pulsos. As costas não tinham chance contra o peito que as empurravam para baixo. As pernas nem sequer se moviam, do peso dos joelhos empurrando-as para os lados, escancarando-as mais que podiam, quase um desmembramento – de corpo, de sonho.
E a cena da minha fantasia de repente não era aquela! E controle, não havia nenhum! E a dor que deveria me encher de prazer, era... só dor!
Era só dor... a cada investida, de mãos, de pau, de boca, dentes e tanta força... e... tão pequena eu estava ali, quase inexistente de mim, olhando os contornos do travesseiro à frente, tentando esquecer o medo, pensar como sair, como sair daquela cena.
E quando ele me virou de frente, me enfiou o pau até tão fundo (tão fundo!), olhando os meus olhos quase fechados...
e, aí sim, aí me reduziu ao nada, ao fundo do desprezo:
Cuspiu na minha cara...
Cuspiu
Na
Minha
Cara
Fechei os olhos de vez...
E, no escuro, a saliva do rosto ficou salgada, misturada às tantas lágrimas que eu não continha mais, que eram o meu “não” conseguindo sair, vindo à tona: que ele enxergasse, por favor! Que ele entendesse, sem som, as três letras!
E depois de alguns minutos, ele viu...
Ficou imóvel um instante, os olhos franzidos, o rosto franzido.
Mudou para uma expressão confusa: levantou-se, me tomou nos braços, me aninhou.
E enquanto eu ainda não podia conter o choro, perguntava:
- Por que não disse nada? Por que não me disse nada?!! Como não disse nada????!!!
Estava com medo! Estava com medo! - tentei dizer,
mas a voz não saía...
Mari Brasil
3 comentários:
caralho! muito bom em conteúdo e escrita, muito, mutio, muito intenso!
Conseguiu. É lindo.
tomara que não seja a obra-prima.
Afinal eu sempre espero mais dos homens;
E esse texto aqui heim?
Muito forte, de sentir na pele quando se lê... inclusive esse cuspe na cara que não sai fácil.
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