quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Pandora


Agora mudo meu nome. A sutileza e a delicadeza não mais me atrapalham, não mais me envergonham. Adoto-as.

Mastigo as frutas pagãs, lambo os dedos e os desejos. As causas de todas as dores... adoto-as também.

Os olhos vazios da menina sem infância, brincando no balanço de um parque qualquer preenchem minha solidão. Abraço a solidão: adoto-a.

O trabalho, o suor e o cansaço, pesando nas costas de um velho que assenta tijolos não têm minha indulgência. Adoto-os.

Mordo os lábios perante o mar. Entretanto, mais nada em mim é pura comoção. Adoto-a.
Fecho os olhos no escuro, medo de ver o que não se pode ver. Medo de ver o que se pode: adoto-o.

Dentro do poder que se oferece ao futuro, uma fina camada de gelo nos mantém a parte. Que esta não se quebre, porque senão... adoto-o...
E, ao adotar - para que finde a poesia que me mantém respirando a noite que chega - engolir o remédio seco e calar
esta vontade inflexível de me derramar em tuas linhas e te compor...
Mari Brasil

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