segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Cigano


Olhos baixos,
como se baixo fosse,
o tom da sua voz, quando respira a viola com as duas mãos

(como se fosse desatar a bailar sozinha,
lhe escapar, desenfreada.
Enfeitiçada)

Pele canelada, cheirando ao ouro pendente das orelhas
e à rosa dos cachos negros que balançam num gesto delicado,
no repouso da melodia cigana que canta para a-trair.

Ao baixar mais os olhos,
inventa e emana um ar de piedade...
ela vem.

de perto, porém,
este ar pesa tanto
quando,

empina o peito e puxa, para si, o que cobiça,
como se tivesse almofadas nos pés deslizantes
e dançasse uma dança da qual não se desamarra.

Toma-a nas mãos,
exaurida do enrolar os cabelos
E fita-a em seus braços.

Agora, os olhos inflados!
Como que remetessem aos céus,
quando prometem total perdição...

Ela vem.


Mari Brasil

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Remoto Controle


Separa essa solidão em dois fragmentos: um sem graça, sem cheiro, sem textura, sem vontades. Outro, dourado nos sonhos mais sórdidos de uma freira que nunca se entregou.
Movendo para trás os anseios, para frente os medos, me aparece, de manhã,
aquela vida sem graça, da qual se respira o frio da mesma madrugada que atravessa as linhas que atravessam o ser que atravessam... não ser mais!
Corre subir as escadas para o carinho do destino e permanece quieta de manhã: cala a boca. Calabooooooooocaaaa!
(Libera o controle para as mãos que o merecem – aquelas que pendem dos braços das mães que amamentam com dor os rebentos. Aquelas que te protegem ou te curam...
ou... te estrangulam, sem saber.)
Admita, então, a perda do controle! Admita perder o passo, o fôlego, a ilusão de seguridade.
Há coragem?
Deixa que se esvaia sozinha e devagar a juventude e não te inquietes mais:
no fim, nunca era você, nem todos, nem eu. Nunca foi nada, além de imagens projetadas na grande tela dos olhos dos outros.
E lá, refletidos, já não mais nos reconhecemos e nos regozijamos pelas convicções de que estarão certos apenas os insanos.
Então deixe! Deixe, que no fim do dia, muda-se de opinião e agrega-se novamente ao rebanho dos novos hospícios, fingindo ser normal como eles. Espalhando por aí essas idéias babentas de "paz, amor e prosperidade"! Como se fosse natal de novo!
como se quisesse, de novo... entrar naquela neurose de fim de ano e controlar e controlar e controlar a sua vida.
Ou... deixa ao acaso então! Isso mesmo:
Cala a boca!
Mari Brasil

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Pandora


Agora mudo meu nome. A sutileza e a delicadeza não mais me atrapalham, não mais me envergonham. Adoto-as.

Mastigo as frutas pagãs, lambo os dedos e os desejos. As causas de todas as dores... adoto-as também.

Os olhos vazios da menina sem infância, brincando no balanço de um parque qualquer preenchem minha solidão. Abraço a solidão: adoto-a.

O trabalho, o suor e o cansaço, pesando nas costas de um velho que assenta tijolos não têm minha indulgência. Adoto-os.

Mordo os lábios perante o mar. Entretanto, mais nada em mim é pura comoção. Adoto-a.
Fecho os olhos no escuro, medo de ver o que não se pode ver. Medo de ver o que se pode: adoto-o.

Dentro do poder que se oferece ao futuro, uma fina camada de gelo nos mantém a parte. Que esta não se quebre, porque senão... adoto-o...
E, ao adotar - para que finde a poesia que me mantém respirando a noite que chega - engolir o remédio seco e calar
esta vontade inflexível de me derramar em tuas linhas e te compor...
Mari Brasil